Observatório da Imprensa
Por Luís Roberto Antonik
A presidente Dilma Rousseff assinou em novembro um decreto que permite a migração de 1784 emissoras de rádios AM para a faixa de FM. A mudança resolve um grave problema das emissoras AM - a maioria com potência de até 5 kw, localizadas em pequenas e médias cidades - que sofrem com crescentes interferências em seu sinal.
Na faixa de FM, essas rádios terão melhor qualidade de áudio, mas, sobretudo, poderão ser ouvidas nos 160 milhões de aparelhos celulares, sem custo algum para o usuário.
Com toda certeza, este é o fato mais importante para o rádio brasileiro dos últimos 50 anos, por se tratar de uma oportunidade de reinvenção deste que é o meio pioneiro de comunicação eletrônica de massa no país.
No futuro, ao operar na faixa de FM, essas rádios poderão ampliar muito seu alcance usando a internet e dispositivos móveis como celulares e iPads.
A melhor qualidade de áudio e o maior alcance fortalecerão o rádio que, assim, poderá seguir cumprindo seu papel histórico como fonte de informação, entretenimento e cultura. E o mais importante, acessível a qualquer cidadão.
Livre acesso
O rádio é popular, comunitário, local, democrático. É o melhor exemplo da indústria de comunicação vigorosa, plural e independente formada no país por milhares de veículos, entre emissoras de rádio e televisão, jornais, revistas, portais.
Essa indústria se caracteriza pela pluralidade de veículos. De acordo com dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), há 9.600 outorgas de rádio, das quais 4.600 operadas por diferentes empresas privadas (48%) e 4.900 (52%) por entidades comunitárias e educativas.
Conforme a agência oficial, são nada menos do que 521 concessões de TV, sendo 317 comercias (61%) e 204 educativas e públicas (39%). O mercado de mídia impressa - sobre o qual não há nenhuma limitação – amplia ainda mais as alternativas de fontes de informação e entretenimento com a oferta de 4.800 jornais e 5.779 revistas.
Não enxergar pluralidade neste universo de veículos e meios de comunicação é incompreensível.
Outra característica é a diversidade de conteúdo. Apenas para ficar no exemplo da TV aberta, o mercado brasileiro é um case de sucesso internacional, pelo talento profissional, pela inovação, qualidade e multiplicidade de sua programação.
Isso é possível graças ao modelo de TV aberta que combina a existência de avançados centros de produção e de milhares de emissoras regionais e locais, que refletem a diversidade do país e de seu povo, sem perder a dimensão nacional.
Conforme dados da Anatel, há 14 tipos diferentes de programação, produzidos por distintas empresas, com cobertura nacional. No âmbito regional, as opções variam podendo chegar a 23 conteúdos diferentes, como no caso de Brasília, segundo levantamento apresentado pela Abert, em audiência pública realizada neste ano na Câmara dos Deputados.
Para efeito de comparação, o telespectador de Washington tem à disposição 16 programações na TV aberta. Em São Paulo, o cidadão tem acesso a 21, somente um a menos que o de Nova York.
Nas grandes cidades ou nos mais longínquos rincões do país, cidadãos têm acesso a informação do Brasil e do mundo pelo rádio e pela TV aberta, sem pagar nada por isso. Independente de classe social ou econômica, o mesmo conteúdo alcança a milhões de brasileiros, fenômeno analisado pelo sociólogo francês Dominique Wolton.
Para o estudioso, a televisão, em especial, provocou uma revolução na vida desses brasileiros, pelo acesso livre a informação, cultura, lazer e entretenimento. Contrariando uma ideia recorrente, Wolton destaca outra função importante da televisão, como meio que “reconstitui uma forma de laço social” na medida em que uma mesma programação é vista por tantas pessoas.
Força da mídia
Outra característica marcante do mercado de comunicação no país é a sua forma de financiamento. Múltiplos anunciantes, a grande maioria privados, garantem a sustentabilidade econômica e, assim, a independência editorial necessária a emissoras de rádio e TV, jornais e revistas.
A participação do governo federal é minoritária e, nos últimos anos, tem seguido a tendência da regionalização e da interiorização, acompanhando o fortalecimento e profissionalização do setor de comunicação.
O novo ambiente da comunicação, da internet que conecta milhões de pessoas e modifica os domínios da vida social, nas palavras de Castells, é desafiadora também para os veículos de comunicação que se adaptam para expandir suas operações por meio da rede.
A grande novidade é convivermos em um ecossistema global de comunicação com infinitas fontes, canais e meios, sejam eles empresas, organizações da sociedade civil ou cidadãos – graças à internet e às novas tecnologias.
É paradoxal, portanto, que ainda se defenda o controle de meios, na contramão da história e do interesse público. Expressões incorporadas a esse discurso, como "controle social da mídia" e "regulação democrática", são, na verdade, eufemismos para formas injustificáveis de cerceamento em uma democracia moderna.
Nesta sociedade, mais que uma prerrogativa das empresas de comunicação, o cidadão tem o direito de ser informado. O professor Claude-Jean Bertrand, pesquisador dos meios de comunicação de massa na Universidade de Paris II, afirma:
“Nela (informação) se fundam doravante a paz e a prosperidade; sua circulação livre e abundante condiciona a emancipação do indivíduo, o desenvolvimento econômico, a resolução dos problemas sociais e uma adaptação branda às mudanças rápidas do meio ambiente”.
Por que, então, restringi-la?
Vários estudiosos reforçam a análise sobre a indiscutível importância da mídia para a formação de opinião, o esclarecimento das pessoas e, até mesmo, o estímulo a que se manifestem em defesa de seus direitos.
Gilles Lipovetsky, professor de Filosofia de Grenoble, afirma que “através dos noticiários e dos debates, a mídia abre os horizontes de cada um, dando a conhecer os diferentes pontos de vista e oferecendo diversos esclarecimentos”.
Lipovetsky afirma que a mídia permite ao cidadão “estabelecer comparações entre eles mesmos e os outros (opiniões individuais), entre o aqui e o distante, o hoje e o ontem (história)”.
Segundo ele, a mídia favorece “o desenvolvimento da autonomia do indivíduo” e o leva a “reagir, protestar, em outras palavras, agir como protagonistas num mundo onde o controle das grandes decisões escapa-lhes”.
Ao mostrar as mazelas de um país, afirma o filósofo, a mídia estimula os indivíduos a “questionar”, “tomar partido”, “exigir”, “reclamar”; “fortalecendo as reações de indignação, possibilita mobilizações e protestos de consumidores e cidadãos”.
É extremamente esclarecedor sobre o que aconteceu no Brasil em junho deste ano, quando irromperam os movimentos de reivindicação por melhores serviços públicos e boas práticas políticas no país.
Muitas das demandas expressadas nos cartazes levados às ruas estão nas manchetes dos veículos de comunicação. A força da mídia é confirmada por uma pesquisa publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, que revelou que os links dos meios chamados “tradicionais” responderam por 80% dos endereços de maior alcance nas principais “hashtags” das manifestações no Twitter.
Liberdade ameaçada
Para o diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, Rosental Calmon Alves, da Universidade do Texas, houve uma “simbiose entre mídia social e jornalismo”. Para ele, neste momento, o jornalismo “se torna ainda mais importante como instância verificadora, preparada para investigar e publicar fatos”.
Há 25 anos a nossa Constituição consagrou o Brasil como um Estado Democrático de Direito e resgatou as garantias de liberdade de expressão e opinião e o livre acesso a informação. Desde então, temos aperfeiçoado nossa democracia, consolidado instituições, amadurecido valores.
Mas é certo que este processo não se esgota nunca. Como advertiu Vargas Llosa, a liberdade de expressão, de crítica, de opinião, estará sempre ameaçada. “Não se deve cair nunca na complacência.”
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Luís Roberto Antonik é diretor-geral da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert)