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    Entrevista: senadora Eliziane Gama (Cidadania – MA)

    Jornalista por formação, a senadora Eliziane Gama deixou para trás os estúdios de rádio e TV para representar seus conterrâneos do Maranhão no Congresso Nacional. O passado como comunicadora foi um dos temas abordados durante entrevista à Rádio ABERT.  Avanço tecnológico, desinformação e a redução da violência contra a mulher também entraram na pauta. Confira abaixo a conversa com a parlamentar:

     

    A senhora é jornalista e já apresentou programas de rádio antes de iniciar a carreira política. Fale um pouco da importância da radiodifusão no Brasil: que impacto direto a senhora percebia ter na vida dos ouvintes?

     

    O rádio é encantador, é envolvente. A comunicação é muito rápida, imediata e tem impacto na vida de todas as faixas etárias, do ponto de vista econômico. Ela está presente na vida do povo brasileiro. Mas ela tem muito impacto nos estados mais vulneráveis, onde a comunicação é muito pequena. Meu estado, o Maranhão, por exemplo, tem uma cobertura digital muito baixa, o rádio tem impacto muito grande no dia a dia das pessoas. A gente consegue viver experiências muito interessantes. Isso não tem muito tempo. As pessoas ligavam e diziam: “preciso falar com fulano, diz pra ela me ligar aqui”. As pessoas têm no rádio um instrumento de comunicação. Você acaba tendo ali a presença da vida das pessoas no rádio e a sua presença também, como jornalista, como locutora, também na vida dessas pessoas. É meio que uma família.

     

    O rádio é tão forte, que lá atrás, veio a televisão, e diziam: “ o rádio vai acabar”. E o rádio persistiu. E aí vieram as redes sociais, o momento que estamos vivendo hoje. Uma febre. Todo mundo tem um celular em casa, um smartphone, então você consegue se comunicar e o rádio continua muito forte na vida das pessoas. Você pega o carro e o rádio está lá ligado. Digo isso até por experiência própria. Minha filha caçula é cantora e deu uma entrevista em uma rádio, com a música dela tocando. Quando ela foi fazer o primeiro show depois do lançamento da música, o povo já estava cantando. De uma forma tão rápida porque ouviu na rádio. A gente ouviu esse feedback das pessoas ligando pra rádio, a gente ficava com rádio ligado e as pessoas pediam a música. Então o rádio persiste, ultrapassa gerações e permanece na vida das pessoas.

     

    Sou muito feliz de ter trabalhado um bom tempo no rádio, ter vivido essa experiência. A TV também é encantadora, você se envolve, mas o rádio tem um quê diferente, tem uma mágica. Você chega em determinado lugar e as pessoas te imaginam. As pessoas falavam pra mim: nossa Eliziane, você é tão pequenininha, pensei que você fosse enorme. Tinha uma colega que tinha um vozeirão e era bem pequenininha. Eu sou pequena, mas ela era menor. Aí chegavam e ficavam procurando alguém enorme. De repente diziam: “você é pequena, pensei que tivesse 1,80m”. Esse imaginário da população em relação ao rádio é algo encantador. Fico feliz de estar conversando com você e relembrando essa caminhada.

     

    A senhora solicitou um estudo sobre liberdade de imprensa no Brasil. Esse documento foi elaborado e entregue no mês passado. Já teve a oportunidade de analisar os dados? Quais as suas conclusões e o que a senhora irá propor diante dessa realidade?

     

    Existe uma linha muito tênue entre liberdade de expressão, que todos nós defendemos e asseguramos de forma muito clara, e também calúnia, difamação, falsa notícia. Como trabalhar isso? Vejo que entram aí, de forma muito importante, órgãos como a ABERT, órgãos de controle, associações, entidades, que possam estar acompanhando o funcionamento dessa classe de profissionais. Como estar acompanhando, como estar regulando, como estar sendo ao mesmo tempo um olhar vigilante, para que isso não possa acontecer?

     

    O Brasil vivenciou um momento muito triste da sua história, que foi a ditadura militar, a censura foi colocada de forma muito clara. Tivemos mortes, perseguições, torturas, coisas que não podemos, em hipótese alguma, pensar que volte. A gente percebe, às vezes de forma muito clara, a defesa disso, em detrimento da calúnia, da difamação. Temos algo que foi muito caro para o Brasil, que foi a conquista da democracia, a conquista do direito de fala, assegurar a liberdade de expressão. Acho que é desafiador para mim, mas também para órgãos como vocês e outros órgãos que têm papel preponderante nesse acompanhamento.

     

    O pedido que nós fizemos para o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, que, aliás, foi um material riquíssimo, com muita informação, bem embasado e construído, pedimos com essa preocupação. Órgãos como o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, qual a participação, qual o posicionamento para impedir qualquer retrocesso e qualquer situação que venha a coibir a liberdade de expressão no Brasil.

     

    Além da liberdade de imprensa, outro tema que está em voga na comunicação é a proliferação de notícias falsas. Como a senhora lida com a desinformação e de que maneira o Parlamento pode atuar para reduzir a quantidade de informações falsas em circulação?

     

    Na vida, a tecnologia chega e também chegam os problemas. Quanto mais acesso você tem e você consegue fazer o bem, outras pessoas também conseguem fazer o mal. Me preocupa muito a questão das fake news porque elas estão sendo aprimoradas. A velocidade é assustadora. O que acontece hoje daqui a uma semana pode não ser mais. Seis, oito meses atrás você conseguia identificar de uma forma mais fácil uma montagem. Ontem me passaram uma montagem sobre o presidente dos Estados Unidos e eu pensei: ele falou isso? Fiquei chocada. É incrível como isso é desafiador e tem a ver com a vida das pessoas e é na verdade algo criminoso.

     

    Conseguimos evoluir um pouquinho em relação a essa questão da punição na Câmara dos Deputados. Há um endurecimento de pena e isso tem que estar muito claro, porque você destrói vida, família, reputação. E isso, para você recuperar, e às vezes nem reconstrói, porque fica aquela marca. Isso é desafiador para as famílias, a legislação brasileira, para nós da comunicação, porque você fica em uma guerra.

     

    Mas, ao mesmo tempo, a gente continua tendo rádio, os jornais impressos e as TVs como um endossador das notícias verdadeiras. Vou ligar o rádio, ler o jornal e ver se isso é verdade. Temos um fortalecimento dessa imprensa séria no sentido de endossar. Saiu, é verdade. Não saiu, é fake news. Todos nós precisamos nos preocupar e ao mesmo tempo encontrar uma alternativa para isso, fazer mais investimentos em tecnologia. Hoje nós temos em alguns estados brasileiros as delegacias cibernéticas. Isso é uma grande evolução, mas nem todo estado tem. É uma estrutura muito necessária hoje, em função exatamente do uso da tecnologia para cometer crimes.

     

    Uma das suas bandeiras é a ampliação da rede de proteção à mulher e o combate ao feminicídio. Por que estamos vivendo um momento de aumento tão expressivo de crimes contra a mulher e como combater essa realidade?

     

    Evoluímos no Brasil. Temos hoje uma legislação que é importante. Começamos com lei específica, que é a Lei Maria da Penha. Depois, tivemos uma tipificação penal, que foi o feminicídio. Avançamos há 15 dias na garantia de evitar que o crime fosse prescrito. É um crime muito covarde, a mulher ser assassinada pelo companheiro, marido, namorado e aí ele espera um certo tempo, prescreve e fica impune. Isso aí é algo que não mais acontecerá no Brasil, por causa da legislação que acabamos de aprovar.

     

    Agora, ao mesmo tempo, precisamos de duas coisas. Primeiro: o cumprimento dessa legislação. Temos uma média de 4.600 mulheres assassinadas por ano. Se você pega o resultado da aplicação da pena, vai ver que cerca de apenas 1.000 mulheres foram enquadradas na tipificação penal do feminicídio, foram assassinadas pela condição de ser mulher e, na maioria das vezes pelo próprio companheiro. Essa diferença de 3.500 mulheres é muito alta. Por isso criamos esse novo tipo penal.

     

    Agora, infelizmente está havendo, ainda de forma muito paulatina, muito lenta, o sentimento de que a magistratura brasileira tem que entender que esse crime tem que ser punido e nós precisamos usar aquilo que temos na legislação.

     

    O segundo problema que temos no Brasil, que tem uma relação ou ocasiona isso, é a falta de estrutura dos estados brasileiros para o recebimento desse agressor e também para dar o acompanhamento a essa vítima. Criar um ambiente mínimo de sobrevivência dessa mulher em relação às suas famílias. Não temos, por exemplo, quantidade de suficiente de delegacias especializadas na mulher. A maioria aglutina outra área de atuação, que é criança e adolescente. A ação tem que ser direcionada, tem que haver uma delegacia para cuidar da mulher e outra pra criança, até por conta do acúmulo de inquéritos.

     

    Nem sempre as equipes são capacitadas para fazer acolhimento.

     

    Vamos pegar um caso bem típico. Uma mulher que foi estuprada. Você pega uma menina mais jovem. Quando ela passa para fazer o exame de corpo de delito, não tem acompanhamento adequado. Às vezes é um homem. Nada contra o homem, mas às vezes é um homem que não tem a qualificação adequada para fazer aquele tipo de atendimento. Então, a mulher, que é vítima, passa a ser revitimizada. Isso é um problema rotineiro no Brasil. Não há centro de perícia técnica que tenha condição mínima de fazer o atendimento a essa mulher. Então ela fica com medo de fazer a perícia. Precisamos ter, além da delegacia, precisamos ter um pessoal qualificado para esse recebimento. Tem que ter a delegacia, mas também tem que ter a promotoria especializada, o juizado especializado, para eu ter, de fato, ao final, a conclusão e a aplicação dessa pena.

     

    Isso, infelizmente, não existe. Você conta, no Brasil, a quantidade de varas especializadas. Melhoramos a legislação, precisamos trabalhar a conscientização da magistratura brasileira e trabalhar o mínimo possível de reestruturação orçamentária. Você dá prioridade quando você prioriza no orçamento. A gente pega as peças orçamentárias estaduais, federais e municipais e elas pouco têm direcionamento para essas áreas. Você faz um aprofundamento, aí vem o recrudescimento, aí vem a ampliação, infelizmente, de casos de violência. A ação tem que ser transversal. Ela tem que começar e finalizar a partir do primeiro passo, que é a conscientização, no momento da denúncia, e depois seguir, até o final. Esse caminho é muito longo.

     

    Se você tem um ambiente de violência, vai desencadear uma série de outros problemas. Vai ter problemas com os filhos, vai trazer problemas emocionais para esses meninos, que ao mesmo tempo não vão ter rendimento escolar, podem ficar vulneráveis, podem ter prejuízos grandes, não só naquele momento, mas para a vida toda. A gente precisa trazer o ambiente seguro para garantir aquilo que está na Constituição: a criança ter amor, proteção, ambiente salubre e adequado para sua sobrevivência. 

     

     

    eliziane gama edit

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