Em 2022, o Relatório ABERT sobre Violações à Liberdade de Expressão voltou a registrar dois casos de assassinato de jornalistas pelo exercício da profissão. Desde que a ABERT começou a monitorar os casos de agressões contra profissionais de comunicação, em 2012, apenas em 2019 e 2021, a imprensa brasileira não foi atingida pela forma mais letal de violência.
Foram registrados ainda 137 casos de violência não letal, que envolveram pelo menos 212 profissionais e veículos de comunicação.
O número significa que, a cada dois dias, a imprensa brasileira sofreu algum tipo de ataque.
Os dados foram apresentados pelo presidente da ABERT, Flávio Lara Resende, nesta quarta-feira (10), em Brasília. O Relatório da ABERT teve a parceria da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), e apoio da Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER), da Associação Nacional de Jornais (ANJ), e do Instituto Palavra Aberta.
Em relação a 2021, o documento aponta que houve uma redução de 5,52% no número de casos não letais e de 7,83% no número de vítimas.
“Não há motivos para comemorar. Enquanto um jornalista estiver na mira de quem tenta calar ou atrapalhar o trabalho da imprensa, a liberdade de expressão não será exercida em sua plenitude”, afirmou Lara Resende.
Em 2022, as agressões físicas estiveram no topo da lista de violações ao trabalho jornalístico. Foram 47 casos contra os 34 do ano anterior, um aumento significativo de 38,24%. O número de vítimas também subiu de 61 para 74, um aumento de 21,31%.
O Relatório aponta ainda uma incidência maior dos vários tipos de agressões em períodos específicos e com viés político. Os ataques em várias cidades brasileiras ocorreram, em sua maioria, nos dias seguintes ao segundo turno da eleição presidencial, durante a cobertura dos protestos contra o resultado do pleito, em defesa de um golpe militar, e durante a desmobilização de acampamentos em frente aos quartéis do Exército.
Casos de importunação sexual, que anteriormente não foram registrados, voltaram a aparecer no mapa da violência. Também os casos de censura e ataques e vandalismos tiveram aumentos de 100% e 25%, respectivamente.
Entre as violências não letais com diminuição em registros estão atentados (-75%), ofensas (-47,17%), injúrias (-50%) e intimidações (-3,85%). O único tópico que se manteve estável, em 2022, foi o de roubos e furtos, com o mesmo número de 2021.
"Direito garantido pela Constituição Federal, a liberdade de imprensa e de expressão é um bem público. É à sociedade que a imprensa presta contas e exerce o papel de vigilância. Tais ações intimidatórias jamais serão o caminho para o aprimoramento de nossa sociedade, da liberdade de expressão e do Estado Democrático de Direito”, disse o presidente da ABERT.
A exemplo dos relatórios anteriores, as decisões judiciais – 20 em 2022 – não entraram na contagem de violência não letal.
ATAQUES VIRTUAIS
De acordo com estudo encomendado pela ABERT à Bites, empresa de análise de dados para decisões estratégicas, em 2022, ano marcado por eleições gerais, mais uma vez, a mídia brasileira não ficou imune às agressões e correntes de ódio virtuais.
Os ataques à imprensa, partindo de aliados do então presidente Jair Bolsonaro, chegaram a 1,32 milhão de posts, uma redução de 6% em relação ao ano anterior, quando chegaram a 1,4 milhão de críticas publicadas no Facebook, Twitter e Instagram.
Os números significam que, em 2022, a imprensa brasileira sofreu 3,6 mil ataques por dia, 150,7 por hora ou 2,51 ataques por minuto, com palavras pejorativas e de baixo calão contra os profissionais e veículos de comunicação.
“Como nos anos anteriores, Bolsonaro se manteve como principal hub de ataques ao trabalho da mídia e sua capacidade de engajamento amplificou essas mensagens contra o jornalismo e os jornalistas”, afirmou Manoel Fernandes, diretor da Bites.
O então candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, também usou as redes sociais para falar da mídia, mas numa direção contrária à do seu adversário. Nos 127 posts publicados sobre o tema, em 2022, o petista criticou os ataques ao jornalismo e procurou se solidarizar com o papel da mídia tradicional na defesa da democracia.
O BRASIL NO MUNDO
O Brasil continua nas listas mundiais de nações perigosas para o exercício do jornalismo.
De acordo com dados da organização internacional Repórteres sem Fronteiras (RSF), no período de 2003 a 2022, 42 jornalistas perderam a vida no Brasil. Na maioria dos casos, a motivação dos assassinatos estava diretamente relacionada a denúncias e investigações de crime organizado e corrupção.
Ao lado de México, Colômbia e Honduras, o Brasil figura entre os 15 países da América Latina que registaram o maior número de casos de assassinatos de jornalistas nas últimas duas décadas.
Já o Observatório de Jornalistas Assassinados da UNESCO aponta que, em 2022, 87 profissionais da mídia foram mortos em todo o mundo, um a cada quatro dias.
“Um jornalismo livre, plural e independente é vital para o respeito aos direitos humanos, para uma democracia participativa e para uma sociedade mais justa. Nesse sentido, a defesa e a promoção da segurança dos jornalistas e o combate à impunidade estão no centro das ações da UNESCO para apoiar a liberdade de expressão e de imprensa. Sabemos que a imprensa, os jornalistas e a própria liberdade de expressão atualmente estão sob ataque, uma situação que afeta o acesso a outros direitos humanos. A UNESCO, como agência das Nações Unidas responsável por monitorar os assassinatos de jornalistas e a questão da impunidade, desenvolve diversas ações em todo o mundo para que esses profissionais possam cumprir seu papel e para que as agressões contra eles e elas não fiquem impunes. Ao celebrar os 30 anos do Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, nós nos encontramos em um momento propício para realizar um balanço dos pontos positivos – sobretudo no campo da liberdade de expressão, da ampliação da mídia livre e do livre fluxo de informações – e dos desafios a serem enfrentados, com destaque para o ambiente digital e a sustentabilidade da mídia”, afirmou a diretora e Representante da UNESCO no Brasil, Marlova Jovchelovitch Noleto.
O Relatório da ABERT pode ser acessado AQUI.