Se de um lado as entidades ligadas às operadoras e fornecedores de equipamentos para redes móveis já iniciaram os esforços para convencer o governo a licitar o quanto antes a faixa de 700 MHz, hoje usada pela radiodifusão, para a banda larga móvel e serviços de quarta geração, as empresas de radiodifusão, pelo menos no Brasil, não estão paradas. Trata-se da batalha pelo "dividendo digital", que é o espectro supostamente resultante do fim da transição da TV aberta analógica para a TV digital.
A Abert, que representa emissoras de rádio e TV, já está avançada na preparação de uma resposta técnica em defesa da manutenção da situação atual de distribuição do espectro de 700 MHz. E ao contrário do que normalmente se pode esperar em um confronto com grupos de comunicação, os argumentos utilizados não serão apenas políticos, com ênfase na questão da cultura e da identidade nacionais. A Abert está pronta para mostrar que o cenário existente no Brasil em relação ao dividendo digital é muito diferente de qualquer cenário internacional que venha a ser usado como comparação.
Para Luiz Roberto Antonik, diretor-geral da Abert, não é possível, no caso brasileiro, pensar o dividendo digital apenas sob a perspectiva da banda larga. "Nenhum radiodifusor é contra fazer banda larga wireless. Mas existe uma deficiência que o Brasil ainda precisa suprir que é fazer com que a população fora dos grandes centros urbanos também tenha mais alternativas de TV aberta e TV digital", diz, lembrando que não está prevista ainda a digitalização das retransmissoras e das repetidoras de radiodifusão e que é muito mais comum do que parece encontrar municípios com apenas uma ou mesmo nenhuma emissora de radiodifusão disponível. "O acesso à radiodifusão é, sobretudo no Brasil, um fator de inclusão que não pode ser esquecido".
O que a Abert procura mostrar é que não se pode definir a redistribuição do espectro de 700 MHz antes que fique claro se o processo de digitalização a ser concluído em 2016 permitiu o acesso de todos os brasileiros ao conteúdo da televisão aberta. Para Antonik, é preciso pensar também em ferramentas para fomentar o surgimento de mais grupos locais e regionais que levem conteúdos específicos para as diferentes realidades do Brasil. "Se é para repartir o espectro, é melhor esperar 2016 para tirar uma foto do que realmente está acontecendo e não ficar usando a realidade de países que não têm a nossa realidade para tentar prever o futuro".
A Abert lembra que a penetração da TV nos domicílios é de 95,5% na média, segundo o IBGE, "mas essa realidade é muito pior justamente nas regiões mais car ntes". Estudos da Abert mostram que o número de geradoras de radiodifusão ainda é muito limitado no Brasil (são 512 ao todo, somando 310 comerciais e 202 educativas), quando o potencial existente, segundo as estimativas da associação são de pelo menos 971 geradoras. Isso não acontece, explica a Abert, porque o mecanismo de licitação adotado pelo Minicom acaba permitindo o surgimento de atravessadores que impedem que as concessões sejam disputadas dentro da lógica do mercado. Para a Abert, antes de pensar em redistribuir o espectro destinado hoje à radiodifusão, o governo deveria buscar formas de expandir a radiodifusão no Brasil tanto geograficamente quanto fomentar o surgimento de novos grupos regionais e locais.
Outro argumento novo que os radiodifusaores estão trazendo para o debate é o de que eles representam apenas uma fração econômica do mercado de telecomunicações como um todo, e que por isso seria mais interessante para o país que a banda larga se desenvolvesse. Pelas contas da Abert, o setor de televisão faturou em 2010 R$ 27 bilhões. Trata-se de um valor substancialmente maior do que aquele apontado pelo Projeto InterMeios, em geral usado como parâmetro. E, segundo a Abert, os R$ 140 bilhões faturados pelas telecomunicações tem um grande componente de impostos que a radiodifusão não tem. "O fato é que não somos um décimo das telecomunicações, mas no máximo um quarto. Ou seja, a radiodifusão é um segmento econômico importante sim", diz Antonik.
Espectro
Em relação ao debate sobre a destinação do espectro, a Abert espera que as autoridades brasileiras não sigam o mantra da harmonização internacional. "Esse argumento de que o Brasil precisa seguir as mesmas necessidades de espectro do Suriname é equivocado", diz Antonik. Para ele, o dividendo digital tem que ter outros objetivos além da banda larga.
Fonte: Tela Viva
Samuel Possebon.