Relator defende que uniformização do ICMS é ‘retrocesso para desenvolvimento regional’
Projeto de Resolução 72/2010 de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), uniformiza o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações interestaduais com bens e mercadorias importados. A proposta tem objetivo, diz seu autor, de corrigir distorções decorrentes dos incentivos concedidos pelos estados, no contexto de "guerra fiscal" entre as unidades da federação.
O relator da proposta, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), no entanto, faz uma série de ressalvas ao projeto. Em sua opinião, a unificação da alíquota impediria os estados menos desenvolvidos de atraírem investimentos por meio da concessão de incentivos. Além disso, para ele, “não existe saída em termos de compensações”.
O senador defende ainda em seu parecer que a proposta é “flagrantemente inconstitucional” pois, entre outras razões, o Senado estaria infringindo a lei ao suprimir a autonomia dos governadores.
“Além de arrecadação tributária, os estados incentivadores vão perder atividade econômica e, portanto, renda, empregos e capacidade de competir com muito maior escala de produção e de consumo dos grandes centros”, afirmou o senador, em entrevista à Abert.
Confira trechos da entrevista.
1) Como o senhor avalia o projeto de lei que unifica o ICMS ?
A unificação do ICMS é um retrocesso para o desenvolvimento regional no Brasil. A Constituição de 88 firmou como princípio a redução das desigualdades, e isso foi necessário porque o Brasil sustenta uma das piores posições do mundo nos indicadores de concentração de renda.
Assim, dentro desse princípio, o legislador desenhou para o ICMS um modelo voltado para essa desconcentração de renda, com diferenciação nas alíquotas interestaduais entre o Sul e Sudeste, mais desenvolvidos, e o Norte, nordeste, Centro Oeste e Espírito Santo, menos desenvolvidos, como uma forma de se estabelecer uma solidariedade regional no Brasil, mas principalmente, contribuir para o desenvolvimento mais igualitário. Assim, quando se associa a uniformização das alíquotas interestaduais com a redução das mesmas, há um duplo golpe sobre essa lógica da solidariedade regional. Além de recolher o tributo de igual forma para entes em estágio de desenvolvimento diferentes, elimina por completo o espaço dos estados atuarem no desenvolvimento regional, via concessão de incentivos para atrair setores produtivos que, de outra forma, jamais se localizariam fora dos grandes centros.
2) Alguns estados alegam grandes prejuízos na arrecadação.Como essa questão pode ser resolvida?
Esse é um problema que não deveria sequer está sendo criado, porque não existe saída em termos de compensações. A compensação sobre as arrecadações estaduais poderia até vir por meio de um novo equilíbrio na repartição entre receitas da União para os estados. Ao mesmo tempo que se discute o PRS 72 – que uniformiza e reduz alíquotas interestaduais do ICMS – discute-se nova partilha para o FPE, por exemplo, que é o Fundo de Participação dos Estados estabelecido pela CF 88 sobre os recursos arrecadados no IPI e no Imposto de Renda. O problema é que esses e outros temas que dizem respeito ao federalismo fiscal estão sendo postos e decididos isoladamente, sem uma articulação. E os estados, especialmente os pequenos estados, não querem voltar à velha política de “pires na mão”, até porque foram atores essenciais na conquista do ajuste fiscal brasileiro a partir do final dos anos 90.
3) Quais serão os impactos caso a proposta seja aprovada?
Além de arrecadação tributária, os estados incentivadores vão perder atividade econômica e, portanto, renda, empregos e capacidade de competir com a muito maior escala de produção e de consumo dos grandes centros. Esses grandes centros funcionam como um ímã para as atividades produtivas e, se não houver algum tipo de força na direção contrária, eles irão atrair tudo até gerar as “deseconomias de aglomeração”. Esse processo, ao longo do tempo, obviamente gera concentração de renda, migração, perda de coesão social, ocupação urbana desordenada, impactos indesejados sobre o meio-ambiente. Assim, vamos ferir as conquistas arduamente obtidas pela CF 88, com muito custo para os brasileiros, e retornar ao velho ambiente de crescimento excludente e devastador sobre as estruturas sociais e políticas no Brasil. O ICMS é central na arrecadação e na política tributária dos estados e, portanto, seu papel será bastante reduzido como instrumento de desenvolvimento regional.
3) Alguns avaliam que a proposta é inconstitucional. Qual é a sua opinião?
A proposta é flagrantemente inconstitucional e existem várias razões.
A primeira delas é que o Senado Federal não pode reduzir, por meio de projeto de resolução, as alíquotas interestaduais do ICMS, pois se assim fizer, está legislando sobre matéria de competência constitucionalmente reservada à lei complementar. E não se trata, apenas, de uma recalibragem das alíquotas interestaduais do ICMS, mas, sim, da retirada da prerrogativa de os estados atuarem na concessão de incentivos do ICMS. Uma segunda flagrante inconstitucionalidade é o fato de o PRS 72/2010 tratar da redução das alíquotas interestaduais sobre importações, somente, o que encontra vedação expressa no art.
152 da Constituição Federal. E, uma terceira ocorre na medida em que o critério de diferenciação de alíquotas utilizado no projeto não é a natureza ou a essencialidade da mercadoria, nem sua origem condicionada ao grau de agregação de valor. A medida proposta visa a alcançar mercadorias “importadas e destinadas diretamente a outro Estado”, quando “o trânsito pelo Estado onde ocorre a importação não agrega, ou agrega um valor pouco expressivo, ao processo de importação do bem ou mercadoria”.
4) Quais medidas estão sendo pensadas quanto a questão da importação?
O fim dos incentivos do ICMS na importação em nada mudará o cenário das importações no Brasil. Elas continuarão ocorrendo, determinadas pela valorização do câmbio e pelo aumento da renda doméstica vis a vis a renda do exterior. O efeito da medida será o de concentrar as importações pelos grandes portos, especialmente os de São Paulo. A medida ainda prejudicará as exportações dos pequenos arranjos produtivos locais, pois irá retirar escala e competitividade dos menores portos de cargas gerais, encarecendo seus custos e inviabilizando pequenos exportadores. Mas também irá prejudicar a maioria dos setores da indústria de transformação, haja vista que mais de 80% das importações brasileiras são destinadas a esse setor, pois se tratam de importações de máquinas e equipamentos, insumos industriais e combustíveis, diretamente relacionados ao processo produtivo, e não aos consumidores finais.
Assessoria de Comunicação da Abert