Em artigo publicado no jornal O Globo, na terça-feira (5), o presidente da ABERT, Flávio Lara Resende, fala sobre o debate em torno da remuneração de direitos autorais para o ambiente digital.
"A segurança jurídica e a preservação de contratos firmados são princípios que devem ser mantidos", afirma.
Leia a íntegra:
Nas últimas semanas, muito se falou de um eventual desentendimento entre a classe artística e as empresas de comunicação sobre a definição da remuneração de direitos autorais para o ambiente digital. É importante o resgate da origem desse debate.
Há anos, as empresas jornalísticas discutem, no PL das Fake News, a remuneração dos conteúdos jornalísticos pelas grandes empresas de tecnologia, a exemplo do que já acontece na Espanha, na Austrália e no Canadá. Como é fácil deduzir, esse tema dialoga diretamente com um debate mundial sobre o combate à desinformação.
Após três anos de muitas audiências públicas e com o texto pronto para votação, no mesmo PL das Fake News, surgiu o debate sobre um novo direito autoral na internet para artistas, roteiristas, músicos e diretores. Com a não votação do PL, o debate acabou deslocado para outro projeto de lei, que tratava especificamente de direito autoral, dando início a um diálogo entre os interessados.
Além de ser a maior promotora da cultura nacional e a principal pagadora de direitos autorais no país, sempre reconhecidos e adimplidos, a radiodifusão brasileira é uma indústria em permanente diálogo com agentes políticos, econômicos e sociais. Não conhecemos construção democrática de forma diversa, senão pela busca do consenso possível.
Acreditamos, inclusive, que nossas convergências superam, e muito, as discordâncias, até porque entendemos que o olhar da legislação deve ser projetado para o futuro. E não poderia ser diferente. A segurança jurídica e a preservação de contratos firmados são princípios que devem ser mantidos.
Mesmo já pagando direitos autorais sobre a veiculação de obras na internet, pactuados em contrato, reconhecemos a legitimidade de criação dessa nova remuneração, por lei, inclusive da possibilidade de ser arrecadada por meio de uma gestão coletiva do setor artístico.
Diferentemente do jornalismo, que não é remunerado pelas plataformas digitais que usam suas obras na internet, os artistas são remunerados, ainda que não concordem com os termos contratados.
Apenas defendemos o respeito aos contratos vigentes e que as negociações individuais não sejam inviabilizadas. Uma nova lei certamente cria um novo ambiente, mas não pode retroagir sobre contratos pactuados, cujos direitos autorais para a disponibilização de obras já foram pagos. Em contrapartida, é evidente que uma obra muito antiga, que não tenha previsão contratual de veiculação na internet, deverá ser remunerada a todos os titulares.
A transformação digital impactou todas as indústrias. Comunicação e entretenimento foram as mais atingidas, sobretudo pela falta de regulação das plataformas digitais.
Entendemos que mudanças podem e devem ser discutidas e implantadas, mas não podemos permitir que princípios básicos, como o respeito ao pactuado, sejam descartados.
Acreditamos que um diálogo contínuo, franco e sem interferências externas pode levar a um resultado satisfatório. Artistas e radiodifusão são sócios da cultura brasileira.
Outros temas e ameaças, como a inteligência artificial, virão, e a resolução dessa importante pauta é muito mais que a definição sobre direitos autorais; mas sobre a valorização do jornalismo brasileiro, da publicidade digital transparente, da responsabilidade na internet e, com isso, uma necessária correção de curso rumo à civilidade on-line.