O combate às fake news, como a legislação brasileira trata o assunto e os cases internacionais foram debatidos durante o Webinar Papo IAB, realizado na quarta-feira (22), pelo Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), com apoio da ABERT e da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uerj).
Para Rita Cortez, presidente do IAB, a desinformação causada pelas fake news também mata, o que exige seriedade para discutir o assunto que, segundo ela, não se trata de um fenômeno novo. “O que temos é uma evolução dos métodos de propagação por conta dos avanços tecnológicos. Por isso, a discussão do Projeto de Lei 2.630, de 2020, deve ser amplamente debatida com a sociedade para não se cometer abusos, nem corrermos o risco de ir na contramão da liberdade de expressão e de outros direitos fundamentais”, destacou.
O debate sobre o tema deve começar ainda pelo conceito de fake news, segundo o professor de Direito Anderson Schreiber, da Uerj. Para ele, há sempre o perigo de se cometer exageros na qualificação das fake news. Schreiber explica que nem sempre a falta de verdade pode ser classificada como tal. Matéria jornalística com omissão de dados ou divulgação de uma informação equivocada também não entram na categoria das notícias falsas. “Há um consenso de que as fake news são informações objetivamente falsas, transmitidas deliberadamente e que simulam uma informação jornalística por meio de um meio de comunicação de massa”.
O professor destaca ainda que o Projeto de Lei 2.630 exclui, das medidas de combate, as manifestações artísticas, religiosas, políticas, ficcionais, literárias ou de conteúdo satírico para garantir a liberdade de expressão. “Estudiosos defendem que esse combate deve levar em consideração as condutas e não somente o conteúdo, especialmente em relação ao funcionamento de perfis nas redes sociais não identificados, automatizados, geridos por robôs e com impulsionamento artificial de conteúdo que não seja publicitário”, explicou.
Entender as fronteiras entre a responsabilidade civil e a moderação de conteúdo é fundamental, na opinião do professor Carlos Affonso de Souza. “O Marco Civil da Internet cria um regime de responsabilidade civil, mas não prevê, por exemplo, a retirada de determinado conteúdo pelas plataformas. Em outros países, essa dinâmica já existe. Nos Estados Unidos, se o provedor recebe uma notificação, ele é obrigado a retirar o conteúdo. A verdade é que as plataformas nem precisariam esperar ordem judicial para a retirada. Nossa inquietude está ligada exatamente aos critérios que serão adotados para moderação. Será que o Direito precisa se mover para que determinados conteúdos sejam realmente removidos?”, refletiu.
Para o advogado e professor Sydney Sanches, as plataformas usam, inclusive, o direito fundamental da liberdade de expressão para não selecionarem seus conteúdos. “Há uma interferência no processo democrático quando não se tem o poder de escolher não receber a informação inverídica. Países como França e Alemanha já contam legislações específicas. No Brasil, ainda precisamos avançar não somente sobre qual é o melhor modelo de controle de conteúdo, mas a respeito de procedimentos e condutas que possam ferir os conceitos democráticos. Debate que deve ser amplo entre Estado, sociedade e plataformas”.
Garantia às liberdades
“A divulgação das notícias falsas geram um resíduo como se fosse uma poluição, que turva os nossos olhos e compromete a livre circulação de ideia”. A analogia é do advogado e professor Gustavo Binenbojm. Ele acredita que há uma tendência das plataformas agirem somente a partir de incentivos econômicos, reputacionais e, algumas vezes, jurídicos. Por isso, defende um modelo de autorregulação. “Não podemos caminhar sobre os dois opostos.
De um lado, deixar as plataformas fazerem o controle do jeito que julgarem melhor, lavando as mãos em casos de conteúdo inadequado, do outro, legitimar o controle estatal, retomando a censura. Em qualquer um dos lados, há um perigo’, alertou.
Para Binenbojm, é necessário engajar o Estado, sociedade civil e plataformas para que se possa transigir com a democracia na construção do marco regulatório. “Não se trata de ter somente uma autorregulação privada. O Estado tem que se fazer presente criando uma espécie de núcleo básico da regulação e definir deveres, prestação de contas, procedimentos transparentes, públicos e verificáveis pela sociedade no que se refere aos critérios de monitoramento e controle de conteúdo”, reforçou.
Binenbojm falou ainda sobre a conceituação do termo “fake news” e defendeu o uso de “notícias fraudulentas” em vez de “notícias falsas”, como foi traduzido, perdendo a verdadeira concepção.
Liberdade e responsabilidade
Ao encerrar o encontro, Paulo Tonet Camargo, presidente da ABERT, ressaltou que o antídoto das notícias falsas é o jornalismo profissional feito com responsabilidade. “Liberdade e responsabilidade são faces de uma mesma moeda. As fake news acontecem porque alguém está ganhando a partir delas. É um negócio que envolve dinheiro. São pessoas que fazem a disseminação, mas as plataformas ganham com isso. Todos têm responsabilidade. Daí, a importância de eventos como esse que discutem amplamente o tema, principalmente sobre a questão de se apurar a responsabilidade, sem impedir a livre circulação das ideias e violar as liberdades”.
O encontro online foi apresentado pelo jornalista Heraldo Pereira e a mediação ficou a cargo do ministro do Superior Tribunal de Justiça, Felipe Salomão.