Jornalistas e especialistas no combate à desinformação digital alertaram nesta quinta-feira (17), em São Paulo, para os perigos do uso de tecnologia na disseminação de mentiras e boatos que tentam desqualificar o jornalismo e o conhecimento científico.
A advertência foi um dos destaques do seminário “Desinformação: antídotos e tendências”, promovido pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), dentro das comemorações de 40 anos da entidade.
De acordo com os palestrantes, a desinformação é criada para manipular o debate público, ameaçando a democracia.
Na abertura do seminário, o presidente da ANJ, Marcelo Rech, destacou que o controle das comunicações não é o melhor caminho para o combate à desinformação, muito menos por parte de governos.
Segundo Rech, “o melhor antídoto à desinformação, no curto prazo, é valorizar e reconhecer o papel da imprensa profissional. No entanto, por buscar a verdade e o acerto, muitas vezes o jornalismo incomoda aqueles que têm seus interesses contrariados”, ressaltou.
Rech disse ainda que se avizinha a ameaça da desinformação 2.0, com base numa tecnologia cada vez mais avançada, que vai exigir de todos novos remédios e tratamentos inovadores para o enfrentamento do que pode ser “uma epidemia devastadora de falsidades”.
“Muito já vem sendo feito pelos jornalistas, veículos, instituições e outras organizações para o combate à desinformação. Mas é preciso agora estarmos ainda mais preparados e irmos muito além, para enfrentar e vencer a mentira”, concluiu.
Durante o encontro, também foram debatidos outros desafios da indústria jornalística, como a busca por mais receitas a partir de assinaturas digitais.
Ameaça dos vídeos manipulados por inteligência artificial
Na palestra de abertura do seminário, Sam Gregory, premiado tecnólogo, media-maker, jornalista e advogado, detalhou os riscos dos chamados deepfakes, vídeos manipulados com o uso de inteligência artificial (IA).
Para Gregory, além do desenvolvimento de tecnologias capazes de acompanhar as farsas digitais, as sociedades precisam desenvolver ceticismo positivo, e isso passa pelo fortalecimento do jornalismo e do conhecimento em geral e das informações específicas para lidar com essa última geração de manipulação.
"As pessoas não devem ver deepfakes como o fim da verdade, mas precisam se preparar para enfrentar a nova onda de desinformação, e jornalistas, verificadores de fatos e ativistas são pontos centrais nessa tarefa", afirmou.
Gregory contou que, nos últimos 18 meses, especialistas têm estudado em diferentes países os melhores caminhos para enfrentar deepfakes, o que é possível fazer, quais são as ameaças e como proceder sem pânico. No Brasil, foram elencadas como prioridades a alfabetização midiática (com o rastreamento até a origem do conteúdo fraudulento), melhorar e dar fácil acesso a ferramentas que detectam vídeos manipulados, a capacitação dos jornalistas e o monitoramento do ambiente de desinformação ao redor das deepfakes.
No entendimento do especialista, o debate sobre o enfrentamento a deepfakes tem de ser global e descentralizado; é preciso garantir que jornalistas tenham acesso a ferramentas contra essas falsidades digitais e, ao mesmo tempo, não se transformem em alvo daqueles que têm interesse em desacreditar os profissionais responsáveis pela verificação dos fatos, criando ambiente ideal para a manipulação por meio da mentira; e responsabilizar as grandes plataformas como Google e Facebook – no Brasil, em especial o WhatsApp, do Facebook.
Desinformação e as eleições
No primeiro painel do encontro, "Desinformação nas Eleições", a jornalista Angela Piementa, do PROJOR, destacou as implicações negativas da desinformação para a democracia, tipificadas em três principais eixos: informação incorreta (Mis-Information), quando informações falsas são compartilhadas, mas sem intenção de dano; desinformação, quando informações falsas são conscientemente compartilhadas para causar danos; e mal-informação, quando informações genuínas são compartilhadas para causar danos, muitas vezes através da publicação de informações destinadas a permanecerem privadas.
Daniel Bramatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) e editor do Estadão Dados e do Estadão Verifica, detalhou a atuação do Projeto Comprova durante a eleição de 2018, cujo sucesso permitiu uma segunda edição da iniciativa, em andamento, com a colaboração de mais de 20 redações. Bramatti contou que somente no WhatsApp o projeto reuniu mais palavras do que qualquer livro da série infanto-juvenil Harry Potter, o que dá a dimensão da quantidade de desinformação espalhada nas eleições. O jornalista lembrou ainda do ganho de produtividade nas redações parceiras, que cederam dois a três profissionais e receberam em troca material de mais de duas dezenas de jornalistas.
*Com informações da ANJ