Engenheiros do Ministério das Comunicações (Minicom), da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET) se reunirão nesta semana para dar continuidade às discussões sobre as necessidades de espectro para a TV Digital.
De acordo com a coordenadora do Grupo SET- Canalização de TV Digital, Liliana Nakonechnyj, o estudo sobre a realocação de canais, para acomodar todas as estações geradoras e retransmissoras de TV, está em fase muito preliminar e precisa ser aprofundado, para que não haja prejuízo da cobertura.
“Os técnicos da Anatel precisaram fazer um primeiro trabalho muito rapidamente, e o que ficou claro para nós é que ele terá que ser bastante aprofundado, pois não foi levada em consideração a necessidade de replicação das atuais coberturas analógicas”, afirma Liliana.
Os canais secundários não foram contemplados tampouco a expansão da TV pública, informou a engenheira em entrevista especial à ABERT.
A engenheira se mostrou otimista com reunião realizada na última semana, a primeira de uma série de encontros que terão como objetivo “resolver a questão com a seriedade que merece" Confira os principais trechos da entrevista.
Qual foi o resultado da última reunião com engenheiros da Anatel e do Minicom?
A reunião foi muito produtiva. A Anatel apresentou um estudo preliminar que tem como objetivo verificar se os canais de televisão digital caberão na faixa de UHF que vai do canal 14 até o 51, já que o governo propõe que sejam liberados os canais mais altos (do 52 ao 59) para a banda larga 4G. Os técnicos da Anatel tiveram que fazer esse trabalho muito rapidamente, e o que ficou bastante claro para nós é que ele terá que ser bastante aprofundado, pois não foi levada em consideração a necessidade de replicação das atuais coberturas analógicas. Os canais secundários ainda não foram contemplados, tampouco a expansão da TV pública.
Porque não foi levada em consideração a replicação das coberturas analógicas no mundo digital ?
Os engenheiros da ANATEL fizeram uma análise a partir do PBTVD – Plano Básico de TV Digital. Entretanto, o atual PBTVD é um plano de convivência de TV analógica com TV Digital. Ele foi feito para permitir a introdução da TV Digital com a TV analógica ainda em funcionamento. Para proteger as coberturas analógicas, ele foi elaborado com comprometimentos para as coberturas digitais. Assim muitos dos canais digitais do atual PBTVD não conseguem replicar o atual alcance dos canais analógicos. Quando os canais analógicos forem apagados, os telespectadores nessas áreas não alcançadas ficarão sem TV aberta. Essas áreas críticas estão localizadas em regiões densamente populosas e de alta concentração de canais de TV. Por isso, a necessidade premente de aprofundar o estudo, de fazer um replanejamento de canalização para o período pós apagamento analógico, no sentido de garantir que, num mundo puramente digital, os canais digitais possam oferecer a mesma cobertura de TV de hoje.
O estudo da SET encontrou um cenário de saturação no espectro, principalmente em regiões de maior densidade demográfica. Quais são os riscos e os desafios?
A eficiência espectral da TV Digital é muito maior do que a da TV analógica, uma vez que, ao contrário da TV analógica, nosso sistema de TV digital permite, em muitos casos, o reuso de canais e também a utilização de canais adjacentes.
Entretanto, para que se alcance a cobertura que temos hoje no país há a necessidade de ampliar o número de canais digitais para muitas cidades, relativamente ao que está previsto hoje no PBTVD. Isso ocorre, por exemplo, no interior do Estado de São Paulo. Também há problemas em outras regiões de alta densidade populacional, em conjuntos de municípios que extrapolam as regiões metropolitanas definidas pelo IBGE. Em regiões montanhosas, como as do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte, o desafio é ainda maior. Nesses casos, há necessidade de antenas em vários picos para que o sinal cubra a população. As transmissões que partem de pontos altos dificultam sobremaneira a reutilização dos mesmos canais em cidades vizinhas, tornando ainda mais complexo o planejamento de canalização digital e a ocupação do espectro para replicação das atuais coberturas analógicas.
O espectro proposto inicialmente pelo governo, que restringe a TV Digital aos canais 14 ao 51, será suficiente para alcançar a toda população que assiste hoje à TV aberta?
Os estudos que a SET realizou mostraram que, em determinadas áreas do país, será muito difícil continuar servindo com sinais digitais a toda a população hoje coberta por sinais de TV analógica, caso a TV Digital fique restrita a ocupar os canais 14 a 51. O número exato de canais necessários só será encontrado quando feito o replanejamento de canais.
O que nos tranquiliza é a afirmativa do Ministério das Comunicações de que a faixa exata a ser transferida para a banda larga só será decidida após assegurada a continuidade das atuais coberturas analógicas.
Entendemos que a banda larga é uma tendência mundial e que será extremamente importante para a população brasileira. Entretanto, temos certeza que ela poderá ser implantada no Brasil sem que haja necessidade de privar parte da população de acesso livre à televisão. É preciso equilíbrio e bom senso nas decisões.
Como a SET viu o anúncio do governo sobre a possibilidade de disponibilizar menos faixa para a banda larga, caso o plano de implementação da TV digital seja prejudicado?
É uma excelente notícia. Quando o governo diz isso, está sendo cauteloso e respeitoso para com a população, porque é ela que pode ser prejudicada com a falta de acesso à programação de televisão ou ter um serviço ruim de telefonia 4G.
Até a reunião da última semana, a Anatel não havia mostrado à radiodifusão o seu estudo sobre a faixa de 700MHz . Durante o seminário sobre política de telecomunicações [que ocorreu na quarta-feria, 20, em Brasília ], a Anatel disse que abriria para participação de todos os setores envolvidos nessa discussão. Você acha que daqui pra frente será possível maior interação das entidades empresariais e de engenharia de radiodifusão nesse processo?
Esta primeira reunião que tivemos sinaliza que sim. Os representantes da Anatel ficaram, inclusive, de compartilhar conosco todo o estudo já realizado, por escrito, para que possamos entendê-lo com maior profundidade, com a ajuda de todo o grupo de trabalho da SET. Ficou combinado que haverá uma série de encontros com o objetivo resolver a questão com a seriedade que merece. Esse estudo terá continuidade com a participação de especialistas e engenheiros das emissoras de televisão. Deverá ser construído um método de trabalho para estabelecer as premissas do replanejamento, como, por exemplo, características dos canais e sua localização.
Já há algum cronograma?
A próxima reunião será na primeira semana de março, e até lá vamos trocar trabalhos e contribuições por e-mail. Estamos felizes com a possibilidade de voltarmos a contribuir tecnicamente para o trabalho dos órgãos reguladores, mas ainda não podemos dizer que estamos totalmente desprovidos de preocupações, pois ainda não está nada claro como a TV digital vai alcançar a todos os brasileiros que hoje têm acesso à programação da TV aberta.
Durante o Seminário sobre política de telecomunicações, em Brasília, um representante das empresas de telefonia admitiu que dificilmente não haverá interferência entre os dois serviços, mas que existem técnicas de mitigação do problema. A questão é tão simples assim?
Mitigar não é acabar com a interferência, mas sim reduzi-la. Realmente, existem muitas técnicas de redução de interferências. Mas há que se considerar que interferência na recepção de TV digital significa tela preta para o telespectador. E que, entre os vários tipos possíveis de interferência, a saturação da recepção talvez seja a mais danosa, pois impede o telespectador de ver qualquer canal, desde o canal inferior da faixa, no caso brasileiro, o canal 14. Na Inglaterra, entre várias providências, está sendo prevista a instalação de filtros em cada uma das residências. Naquele país a TV aberta tem uma importância muito menor e, ainda assim, haverá compromisso de atendimento personalizado a cada residência. Precisamos delinear exatamente todas as providências a serem tomadas no Brasil, onde a importância da TV aberta é ainda muito maior. Aliás, não só a TV aberta será prejudicada caso não sejam tomadas as devidas providências. É importante, também, prevenir interferências da TV no serviço de banda larga móvel. Será muito injusto para a população comprar serviços caros de 4G e depois tê-los funcionando mal.
A SET vai realizar testes de interferências entre 4G/LTE e TV digital e já convidou a Anatel e o Ministério para participarem. Assim como nossa entidade realizou os testes da TV digital, com a participação intensa da Anatel , também esperamos que haja agora a mesma participação da agência e do Minicom para que todos juntos possamos contribuir e indicar as melhores soluções. A SET também deseja a participação das empresas de telecomunicações, pois entendemos que testes interessam a todos os players do mercado.
Assessoria de Comunicação da Abert